pR6nitSNH08tQNpWPA5eZO9DQjdlskzknDPg03Ak5Q0=all-head-content'/> QUARTIER LATIN: maio 2006

segunda-feira, 8 de maio de 2006

Uma Igreja-avestruz...



O documentário no canal Odisseia sobre os evangelhos apócrifos foi interessante. Mas à parte a pequena história (quase policial) da descoberta dos manuscritos, de facto não acrescentou muito à grande história, a do conhecimento acerca dos contornos reais do cristianismo no seu contexto social e filosófico.
Como sou uma católica mergulhada na dúvida sistemática acerca dos factos, que se considerou de regresso ao rebanho depois de perceber que nele havia lugar aos críticos, fiquei pouco mais ou menos na mesma, descontando a vontade de poder aceder aos textos.
Contrariamente ao que já li a este propósito, não penso que sejam estas revelações a abalar os fundamentos da Igreja. Muito pelo contrário. Quanto mais se avançar no conhecimento da história não oficial, mais sedutor é o movimento e maior é o envolvimento.
- Porque é que a Igreja (ou alguma Igreja) não percebe isto?
O que faz falta é justamente a capacidade de consciencializar as raízes e de nelas, subitamente, encontrar identidades.
Ora, para isso, só penetrando na história dos factos.

Aquilo que abala os fundamentos da Igreja é a desinformação, são os formalismos não explicados, os rituais carregados de simbolismo mas sem eco, nem contexto, nem hermenêutica ao alcance dos comuns mortais.
Por mim, não peço certezas: não acredito nelas.

Tal como noutras matérias, tem-se a tentação de construir uma taxonomia a este propósito:
- há os formalistas desinformados;
- há os formalistas informadísssimos (quase parecem cristãos da contra-reforma, tamanho é o grau de cultura doutrinal)
- há os críticos de poltrona (perseguidos pela velha e clássica necessidade de "matar o pai")
- há os que nem são formalistas excessivos nem desinformados militantes, mas a quem honestamente interessa olhar mais para os pontos de contacto do que para os pontos de fractura.

Estas pessoas são as que ainda constroem pontes com a realidade.

Políticas


Não voto nela






Mas tiro as minhas luvas para a aplaudir.

Deserto Português

PSD


- Que é feito de pessoas como ele?



Leituras

George Sand


Ao som de Chopin, com Maria João Pires




Não tenho ciúmes dela, é pura inveja mesmo ;)
Por ele!

O Tempo dos Espelhos



Confesso: - Eu gosto deste homem!




E lá parti em busca do livro, pronta para a cruzada habitual, sempre que está em causa a demanda por qualquer obra acabadinha de ser dada estampa.
Portanto, fui penando de Bertrand em Bertrand, até à filial do ‘Dolce Vita’, onde - aí finalmente -, dou com a pilha dos exemplares ordeiramente expostos, como um tabuleiro de trufas de chocolate numa pâtisserie do tempo de Sagan.
Ao lado, um tabuleiro das gomas picantes: Jorge Luís Borges. Ora, mas que improvável, mas boa companhia!

Li num ápice (este homem não se leva a sério).

Desta vez, o cenário é polimórfico, como um cortejo de matrioskas, saindo sucessivamente umas de dentro de outras
Adiante, descarreguei a tensão num intervalo mais atreito a racionalidades, quando cheguei à descrição dos percursos de pai e filho, em pleno PREC académico (tema suculento que convoca sempre as nossas próprias memórias, mesmo que sejam verdes).

Mas foi a trama da “auto génese” de Júlio Machado Vaz que me apanhou desprevenida e me deixou comblée.
Porque é impossível não se ficar profundamente tocado com a simplicidade desarmada (e, por isso, desarmante) da sua introspecção.
Este livro é uma espécie de rio cheio de afluentes que não nos dá descanso.
Quando nos julgamos a navegar no leito certo, vem outra tentação na rota, para nos baralhar a geografia.

Por fim, não falta sequer um ingrediente de mestre: deixar-nos em suspenso com o aceno de um novo rumo, que acende a curiosidade mas apenas promete a revelação (sem, para já, cumprir):
- a conversa com a neta mulher, apenas aflorada; ou, por outras palavras, o discurso que toda a leitora gostaria de conhecer, vinda de quem vem…

Não conheço ninguém que tão bem entenda o mundo feminino quanto ele.

Este escritor é um allumeur!
(Literário, bien entendu)

Recado à comunicação social






«Deve lavar-se os olhos entre cada olhar»

Mizoguchi.







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O velho, o rapaz e o burocrata




Se há paradoxo na nossa época é o da desvalorização dos velhos.
O meu incómodo não traduz (só) uma piedade fortuita, nem tão pouco e apenas uma egoísta antevisão de danos.

De facto, a juventude é um fetiche do nosso tempo.
E com bons resultados.
Tenho mesmo a certeza que pertenço a uma geração a quem já foram dadas oportunidades relevantes numa fase da vida que, noutros tempos, seria considerada não mais do que meramente probatória.
Falo de oportunidades palpáveis, sobretudo, no terreno profissional), exactamente porque de repente se começou a apostar no sangue novo e a contrariar a ideia de que a lógica da “subida” é a da experiência e a das diuturnidades.
Foi uma evolução importante.

Mas as coisas tal como estão, não estão certas.
Um velho é uma pessoa socialmente utilíssima, e (tudo depende, tal como acontece com os novos…) pode ser ainda alguém com enorme potencial profissional.
Mas quê?! Na velha Europa somos os campeões da burocracia.
Atinge-se aquele número fatídico no BI e … vai-se para a prateleira (nem sempre dourada).

Há uns anos um editorial do Figaro Magazine relatava o seguinte, a propósito do cientista (francês) que isolou, em primeira mão, o vírus da SIDA.
À época da descoberta, ele integrava, enquanto docente, uma faculdade em Paris je ne sais combien e atingiu, pouco tempo depois, o limite de idade. Portanto, jubilou, (como se diz na gíria académica), com os 70 anos da praxe.
Festa de despedida, homenagens, laudatórios… e lá vai o senhor para casa estiolar, arrumadinho na prateleira, talvez preparando umas conferências, uns livros, evidentemente perdendo o dedo para o trabalho prático.

Vai daí os americanos deram por ela.
Caladinhos, contactaram-no, oferecendo-lhe um trabalho de projecto nos USA, não sei onde. Davam-lhe laboratório à medida do que ele quisesse, equipa de trabalho, excelente remuneração, inúmeras facilidades (e do vínculo contratual ninguém falava; provavelmente acautelaram-se, não se comprometendo excessivamente na duração, como aliás em todo o regime geral nos USA).
O nosso cientista arrumou os sapatos de quarto e o robe de chambre e lá abalou com a mulher para o outro lado do Atlântico. Caladinho, também.

No milieu, iam morrendo de estupefacção e escândalo.
Especularam que ele teria sido uma 2ª ou 3ª escolha … mas não era verdade. Os yankees queriam-no mesmo a ele!
Resumindo: à época do artigo, já estava pelos States há um tempo razoável, dirigindo 1 equipa que tinha atingido não sei quantos notáveis achievments .

Pois é … coisas do velho continente europeu!
Por mim, talvez por ter tido, e ter ainda, velhos excepcionais na minha vida, acho que a cultura que grassa é inqualificável.

OBS: O Governo Sócrates acaba de publicar uma alteração ao Estatuto da Aposentação em que proíbe (repito, proíbe) qualquer actividade remunerada aos aposentados, seja ela a que título for.
Como sói dizer-se, “cumpriu-me submeter” 3 CV’s notáveis a autorização excepcional, em regime de “recibo verde” para fins formativos e obtive … ?
Nega absoluta!
A questão está em que não se trata de pessoas substituíveis, porque são mesmo ‘barras’ na matéria, sendo que esta é, por sua vez, muito pouco corriqueira.
É para não variar! Fica o interesse público a perder, soba a capa da boa gestão de recursos disponíveis…

Tempos difíceis

Ao que parece, o Senado norte-americano ratificou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Desumanas e Degradantes e, ao fazê-lo, definiu como «cruel, desumana ou degradante» qualquer prática que possa violar a quinta, oitava ou décima quarta emendas da Constituição dos Estados Unidos».


Não vejo, portanto, como se possa argumentar com a suposta lacuna da lei para não aplicar a convenção quando se trate de prisioneiros estrangeiros detidos em território que não seja norte-americano.

Para já, é comummente aceite que existem ‘‘princípios gerais de direito internacional’’
E depois, o destinatário directo e imediato da norma de proibição não é o próprio estado norte-americano?
O que está vedado é a ‘’prática’’ (e não a sujeição passiva).
Portanto, quem está obrigado a obedecer é quem pode praticar esses actos, o sujeito ‘’activo’’ da potencial tortura, onde quer que esteja. E quem quer seja o torturado.
Ou não?

Entretanto, se há domínio em que o estado de direito se torna difícil de “controlar” pelo cidadão é precisamente este, o que respeita à actividade das instituições ligadas à segurança interna e ao combate à criminalidade.
De facto, existe uma espécie de efeito “biombo”, atrás do qual se escondem aqueles funcionários que, em teoria, são os guardiães da nossa santa paz civil e nos defendem do submundo inimaginável do crime. Mas quando algo corre mal, não é por acaso que, desconfiadamente, suspeitamos sempre que atrás do dito biombo se insinuam, em contra luz sugestiva, as práticas mais impudentes que no nosso subconsciente associamos a esta espécie de esquadrão da nossa boa ordem social.

E aí surge o velho dilema:
-Como conciliar a aceitação de que o velho “contrato social” nos obriga a transferir para estas instâncias a nossa protecção, abdicando nós em troca de algumas prerrogativas (entre as quais o controlo directo dos meios), e a suspeita de que em nosso nome podem cometer-se abusos que transcendem em muito a tal parcela de livre auto-protecção que neles delegámos?

Não podemos puerilmente acreditar que “é com vinagre que se apanham moscas”...
Nem tão pouco acreditar que para esta zona sensível do papel dos Estados se possa reclamar a plena transparência de actuação, se a opacidade for um dos garantes da sua eficiência...
Onde começa o abuso? Quem controla a proporcionalidade dos meios utilizados?

Tudo isto a propósito da indignação que aí vai e à qual é difícil não nos associarmos.
É claro que qualquer um se arrepia.

Mas...e se pensarmos naqueles tipos que mandaram ao ar as twin towers no “nine-eleven”? Ou nos (mesmos) que mandaram o comboio pelos ares na estação de Madrid?
Não reclamaríamos das tais instâncias que actuassem com eficiência e sem perdão, perante gente de tal calibre? Não invocaríamos logo o nosso direito a ser protegidos?
E, nesse caso, que métodos aconselharíamos?
Panos quentes?
Vinagre?
A carta dos direitos humanos au complet?

Just a perfect day




ANOTHER GREAT LOU! play me

Leituras

Lou Salomé

- "From which stars have we been brought together here?" (Peters, 92)
(Nietzsche para Lou)



Humana. Demasiado humana.

DECLARAÇÃO




Sou pelo direito à vida.

Sou pela autodeterminação do nascituro (o seu direito a nascer independentemente da voluntas da Mãe).

Reconheço em absoluto que o feto é titular de direitos a partir do momento da concepção.

Não acho que o corpo seja propriedade de nós, mulheres, quando geramos um ser, voluntaria ou involuntariamente.

Não acho que o filho, concebido de 1 semana ou 42, seja propriedade da mãe ou do pai, e lhes pertença.

Não acho que a vida seja 1 bem disponível.



E acho muito bem que a Igreja não apoie o aborto.

E acho muito mal que não apoie descaradamente a contracepção, porque devia.

Carrilho & O ensaio sobre a cegueira




Na minha opinião, Manuel Maria Carrilho foi o melhor Ministro da Cultura que tivemos.

Isso explica-se de muitas maneiras: não apenas pelos seus méritos próprios indiscutíveis (trabalho aturado; visão estratégica; vocação e conhecimento da pasta), mas também por uma coisa que o transcende completamente: - a importância que tradicionalmente os governos de esquerda dão à Cultura na partilha governamental:
- quer na estrutura orgânica (ministério);
- quer no high profile das pessoas que afectam ao pelouro;
- quer nas verbas que lhe reservam.
Infelizmente para o país e vergonhosamente para a direita, a cultura tem sido uma coutada de esquerda. O que só lhe fica bem.

Mas não cesso de me pasmar com a inabilidade de MMC.
Porque definitivamente não é uma simples falta de jeito para se mover na política, como acontece a tanta (boa) gente, por isso mesmo crucificada.
Nada disso. E só lamento que a sua inegável inteligência sucumba, tão confrangedoramente, a tamanho “umbiguismo” e hipertrofia do "eu".

- Como é possível que ele reclame para o seu livro o estatuto de obra de “análise objectiva” sobre as relações entre a comunicação social e os políticos, e o contradiga permanentemente, descambando sempre num subjectivismo redundante, recorrente, quase neurótico? E aí, Pacheco Pereira acertou no alvo quando apontou a escolha feita para a capa do livro! Qualquer um sabe que uma capa não é de todo inocente do ponto de vista iconográfico.

- Como é possível que ele se considere o único entre os políticos “perseguidos” e se lance naquela histeria esquizóide, incapaz de ver a floresta, e teimando em ver apenas a (sua) árvore?

- Como é possível que ele ache eticamente reprovável que as câmaras de tv recolham imagens sobre uma atitude que ele “julgava” estar a tomar em privado, admitindo implicitamente que, se tivesse percebido, fingiria ser outra pessoa em público? E se ache vítima de uma armadilha? Reprovável eticamente não será antes ter 2 rostos, 2 pesos e 2 medidas, um para enganar o público ELEITOR e outro diferente, que é o que na realidade pratica, e praticaria, em privado? O que é dizer, no gabinete da Câmara Municipal, nas reuniões de Câmara, com os Vereadores, com os munícipes, etc, etc?!

- Como é possível que lhe saia um “de profundis” como aquele do “ser um académico, um professor doutor a sério e não de aviário, com obra publicada”, etc. etc?! Não é isto de um provincianismo atroz?!!! Não entenderá ele que essas coisas não são colectáveis em política, a não ser indirectamente? Que essas honrarias não se invocam nem se reclamam, reconhecem-se?! Que há centenas de outros políticos com igual gabarito académico e que por isso ele não é nenhuma avis raraa quem tenhamos que agradecer, em vénia profunda, a dádiva do serviço à coisa pública?!

- Como é possível, enfim, que tanta sobranceria e sentido de elite, tanta honradez ofendida, tanta dignidade doutoral e superioridade ética conviva de mãos dadas com um sponsor da laia de Emídio Rangel?! Cuja deontologia, retratada em profusa comprovação casuística (com foros de anedotário nacional) é a que todos os portugueses recordam e conhecem?!

- Como é possível, enfim, tamanha falta de bom senso, de intuição, de sentido de medida?!

Há muito que não assistia a um espectáculo assim.
Foi realmente confrangedor.
Mas concluí que Manuel Maria Carrilho não precisa de uma conspiração de jornalistas e de poderes ocultos para perder as guerras.
Ele sozinho dá 100% conta do recado.