pR6nitSNH08tQNpWPA5eZO9DQjdlskzknDPg03Ak5Q0=all-head-content'/> QUARTIER LATIN: Carrilho & O ensaio sobre a cegueira

segunda-feira, 8 de maio de 2006

Carrilho & O ensaio sobre a cegueira




Na minha opinião, Manuel Maria Carrilho foi o melhor Ministro da Cultura que tivemos.

Isso explica-se de muitas maneiras: não apenas pelos seus méritos próprios indiscutíveis (trabalho aturado; visão estratégica; vocação e conhecimento da pasta), mas também por uma coisa que o transcende completamente: - a importância que tradicionalmente os governos de esquerda dão à Cultura na partilha governamental:
- quer na estrutura orgânica (ministério);
- quer no high profile das pessoas que afectam ao pelouro;
- quer nas verbas que lhe reservam.
Infelizmente para o país e vergonhosamente para a direita, a cultura tem sido uma coutada de esquerda. O que só lhe fica bem.

Mas não cesso de me pasmar com a inabilidade de MMC.
Porque definitivamente não é uma simples falta de jeito para se mover na política, como acontece a tanta (boa) gente, por isso mesmo crucificada.
Nada disso. E só lamento que a sua inegável inteligência sucumba, tão confrangedoramente, a tamanho “umbiguismo” e hipertrofia do "eu".

- Como é possível que ele reclame para o seu livro o estatuto de obra de “análise objectiva” sobre as relações entre a comunicação social e os políticos, e o contradiga permanentemente, descambando sempre num subjectivismo redundante, recorrente, quase neurótico? E aí, Pacheco Pereira acertou no alvo quando apontou a escolha feita para a capa do livro! Qualquer um sabe que uma capa não é de todo inocente do ponto de vista iconográfico.

- Como é possível que ele se considere o único entre os políticos “perseguidos” e se lance naquela histeria esquizóide, incapaz de ver a floresta, e teimando em ver apenas a (sua) árvore?

- Como é possível que ele ache eticamente reprovável que as câmaras de tv recolham imagens sobre uma atitude que ele “julgava” estar a tomar em privado, admitindo implicitamente que, se tivesse percebido, fingiria ser outra pessoa em público? E se ache vítima de uma armadilha? Reprovável eticamente não será antes ter 2 rostos, 2 pesos e 2 medidas, um para enganar o público ELEITOR e outro diferente, que é o que na realidade pratica, e praticaria, em privado? O que é dizer, no gabinete da Câmara Municipal, nas reuniões de Câmara, com os Vereadores, com os munícipes, etc, etc?!

- Como é possível que lhe saia um “de profundis” como aquele do “ser um académico, um professor doutor a sério e não de aviário, com obra publicada”, etc. etc?! Não é isto de um provincianismo atroz?!!! Não entenderá ele que essas coisas não são colectáveis em política, a não ser indirectamente? Que essas honrarias não se invocam nem se reclamam, reconhecem-se?! Que há centenas de outros políticos com igual gabarito académico e que por isso ele não é nenhuma avis raraa quem tenhamos que agradecer, em vénia profunda, a dádiva do serviço à coisa pública?!

- Como é possível, enfim, que tanta sobranceria e sentido de elite, tanta honradez ofendida, tanta dignidade doutoral e superioridade ética conviva de mãos dadas com um sponsor da laia de Emídio Rangel?! Cuja deontologia, retratada em profusa comprovação casuística (com foros de anedotário nacional) é a que todos os portugueses recordam e conhecem?!

- Como é possível, enfim, tamanha falta de bom senso, de intuição, de sentido de medida?!

Há muito que não assistia a um espectáculo assim.
Foi realmente confrangedor.
Mas concluí que Manuel Maria Carrilho não precisa de uma conspiração de jornalistas e de poderes ocultos para perder as guerras.
Ele sozinho dá 100% conta do recado.