pR6nitSNH08tQNpWPA5eZO9DQjdlskzknDPg03Ak5Q0=all-head-content'/> QUARTIER LATIN: O velho, o rapaz e o burocrata

segunda-feira, 8 de maio de 2006

O velho, o rapaz e o burocrata




Se há paradoxo na nossa época é o da desvalorização dos velhos.
O meu incómodo não traduz (só) uma piedade fortuita, nem tão pouco e apenas uma egoísta antevisão de danos.

De facto, a juventude é um fetiche do nosso tempo.
E com bons resultados.
Tenho mesmo a certeza que pertenço a uma geração a quem já foram dadas oportunidades relevantes numa fase da vida que, noutros tempos, seria considerada não mais do que meramente probatória.
Falo de oportunidades palpáveis, sobretudo, no terreno profissional), exactamente porque de repente se começou a apostar no sangue novo e a contrariar a ideia de que a lógica da “subida” é a da experiência e a das diuturnidades.
Foi uma evolução importante.

Mas as coisas tal como estão, não estão certas.
Um velho é uma pessoa socialmente utilíssima, e (tudo depende, tal como acontece com os novos…) pode ser ainda alguém com enorme potencial profissional.
Mas quê?! Na velha Europa somos os campeões da burocracia.
Atinge-se aquele número fatídico no BI e … vai-se para a prateleira (nem sempre dourada).

Há uns anos um editorial do Figaro Magazine relatava o seguinte, a propósito do cientista (francês) que isolou, em primeira mão, o vírus da SIDA.
À época da descoberta, ele integrava, enquanto docente, uma faculdade em Paris je ne sais combien e atingiu, pouco tempo depois, o limite de idade. Portanto, jubilou, (como se diz na gíria académica), com os 70 anos da praxe.
Festa de despedida, homenagens, laudatórios… e lá vai o senhor para casa estiolar, arrumadinho na prateleira, talvez preparando umas conferências, uns livros, evidentemente perdendo o dedo para o trabalho prático.

Vai daí os americanos deram por ela.
Caladinhos, contactaram-no, oferecendo-lhe um trabalho de projecto nos USA, não sei onde. Davam-lhe laboratório à medida do que ele quisesse, equipa de trabalho, excelente remuneração, inúmeras facilidades (e do vínculo contratual ninguém falava; provavelmente acautelaram-se, não se comprometendo excessivamente na duração, como aliás em todo o regime geral nos USA).
O nosso cientista arrumou os sapatos de quarto e o robe de chambre e lá abalou com a mulher para o outro lado do Atlântico. Caladinho, também.

No milieu, iam morrendo de estupefacção e escândalo.
Especularam que ele teria sido uma 2ª ou 3ª escolha … mas não era verdade. Os yankees queriam-no mesmo a ele!
Resumindo: à época do artigo, já estava pelos States há um tempo razoável, dirigindo 1 equipa que tinha atingido não sei quantos notáveis achievments .

Pois é … coisas do velho continente europeu!
Por mim, talvez por ter tido, e ter ainda, velhos excepcionais na minha vida, acho que a cultura que grassa é inqualificável.

OBS: O Governo Sócrates acaba de publicar uma alteração ao Estatuto da Aposentação em que proíbe (repito, proíbe) qualquer actividade remunerada aos aposentados, seja ela a que título for.
Como sói dizer-se, “cumpriu-me submeter” 3 CV’s notáveis a autorização excepcional, em regime de “recibo verde” para fins formativos e obtive … ?
Nega absoluta!
A questão está em que não se trata de pessoas substituíveis, porque são mesmo ‘barras’ na matéria, sendo que esta é, por sua vez, muito pouco corriqueira.
É para não variar! Fica o interesse público a perder, soba a capa da boa gestão de recursos disponíveis…