pR6nitSNH08tQNpWPA5eZO9DQjdlskzknDPg03Ak5Q0=all-head-content'/> QUARTIER LATIN: Break down em cadeia. - Premonitório?

sábado, 18 de abril de 2009

Break down em cadeia. - Premonitório?




A J. está cá em casa há uns bons anos. É uma bem disposta corajosa, que luta para criar o filho pequeno e pagar a casa que comprou com empréstimo bancário na L. , uma cidade dos arrabaldes.
Quanto mais a conheço, maior é o respeito que tenho por ela.

A J. vive com cada vez mais problemas financeiros e não sabe para onde se virar.
Mas mesmo assim, continua a entregar-se a cada novo dia com teimosia e garra. E eu bem reparo que, mesmo quando me fala das dificuldades e das suas angústias, nem a tristeza que tem estampada na cara consegue apagar aquela centelha dos olhos, que observo sempre fascinada. Não, nem é bem a esperança que a faz correr, é um orgulho enorme pela própria fonte das suas servidões financeiras: - o filho e o seu lar, o primeiro decente que possui.
Dessa inspiração diária (percebe-se à légua) não faz parte o seu "homem", raramente citado. E quando ele me aparece, o contraste é vagamente incomodativo: sempre de gel no cabelo, 'after-cheiro' poderoso e a roupa ao último grito da griffe rock rural.
Mas no todo, não risca mais do que qualquer um outro dos bens de consumo que a J. comprou, só que desta vez enganada e com juros demasiado altos. A devolução à procedência é que parece ser difícil, porque ele não faz nenhum (se descontarmos o jus que competentemente - suspeito eu -, vai tributando na cama ao seu estatuto). Isso mesmo: saltita de caroca em caroca, espatifa carros em 2ª. mão e - pior -, é alimentado a pequenos luxos, jamais retribuídos.

Há uns tempos, bem antes do Natal, o magalhães começou a vir à baila. Diziam na escola primária da L. que o seu miúdo, o F., ia receber um desses computadores por 50 euros e já está. Pragmática, em lugar de exultar pelo preço da ferramenta, perguntou-me várias vezes se a aquisição não seria um "barrete", confessando que andava a empreender naquilo porque ninguém dava nada a ninguém quase de graça.
E lá me vi eu no papel que não pedira... fazendo a apologia do magalhães.
Expliquei-lhe que se tratava de uma medida subsidiada e que era uma excelente iniciação para um miúdo de 8 anos, etc, etc. Em suma, convencia-a a largar confiadamente os seus preciosos 50 euros na certeza de os trocar por um valor seguro.
Os meses passaram, o computador não vinha, até que pelo meio de Fevereiro, a J. apareceu uma manhã cá em casa a rir-se, meio trocista, dizendo que o F. estava exultante porque finalmente o dito m. chegara. E até era bem girinho.
Tempos depois e parece que o F. já não o largava aquilo. Estava mesmo 'barra' numa data de coisas difíceis!

O primeiro incidente aconteceu antes da Páscoa.
Num certo sábado, a J. foi como de costume à feira da L. (muito concorrida, por sinal, cheia de pseudo Vuittons, Dockers, T. Hillfiger e marados do género). - E não é que deu com uma tenda a vender magalhães a 40 euros?!
Para a animar, ainda lhe disse que certamente eram peças com defeito e que não desse importância ao assunto.

Mas o pior foi agora, no segundo incidente.
O magalhães do F. avariou sem explicação.
E ela foi ao fornecedor (a escola) para reclamar, claro, ou saber então como havia de o arranjar.
A provedora local do m. (a professora) chamou-lhe a atenção para um número de telefone que estava inscrito na base do portátil, que era o da assistência técnica. - Que telefonasse. Ela não podia fazer mais. - Mas que não mandasse mexer-lhe!
Desde então, a J. já telefonou vezes sem conta para o dito número. Surge uma gravação, dizem-lhe que aguarde, tempo previsível da demora, 10 mns. Ela desligava logo, assustada. Mas ultimamente, cansada de ouvir o filho, tem ficado em fila de espera. Por duas vezes, esgotou o saldo do telemóvel, numa delas carregado na véspera. E um destes dias, estava quase a chegar a sua vez quando a gravação reapareceu, para dizer que infelizmente não seria possível satisfazer o pedido naquele momento, e que por isso a chamada iria ser desligada.
A J. está furiosa. Sabe exactamente quanto gastou nos telefonemas e que a conta já vai quase nos 20 euros!
Voltou à escola para relatar o sucedido. E então professora contou-lhe que havia muitos outros portáteis avariados, e parecia, realmente, que o número da assistência não estava a funcionar. Já não sabia mesmo o que fazer para resolver o problema dos alunos.

Foi ontem mesmo que lhe ouvi as últimas desta história. E os desabafos que precisava de soltar, em monólogo quase obsessivo. Era o dinheiro, era o meu F. inconsolável, era o menino-magalhães nos braços e a impotência em dar um rumo à questão.
Quando saí de casa, cheia de pressa e sem ter conseguido sequer cortar-lhe o discurso, ainda parei à porta, arrepiada com o que acabara de lhe ouvir:
- Mas eu pensei muito e já tenho um maneira de acabar com o problema. Amanhã vou com ele à feira e vendo-o ao tal homem da tenda! É remédio santo!
Só tive tempo de a convencer a esperar por segunda feira, para podermos falar.
Não sei como é que vou sair desta...

Entretanto, este fim de semana, atirando com a história para o lado simbólico, achei que esta avaria em série bem podia, afinal, ser premonitória.
E imaginei um Portugal com milhares de magalhães a colapsar...

Dormi tão bem.