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domingo, 12 de julho de 2009

O olhar de um cão II


Percebo-o muito bem.

Não nos rendemos. Não ficamos lamechas.
Desprezamos o ridículo da relação infantilóide.
Às vezes, simplesmente, cansa-nos, tolhe-nos os movimentos.

E outras, chega-se a deplorar a hora da afiliação.

Quando morrem, percebemos que éramos inseparáveis.

É ridículo, mas não queremos saber.




“ O olhar dum bicho comove-me mais profundamente que um olhar humano.

Há lá dentro uma alma que quer falar e não pode, princesa encantada por qualquer fada má.
Num grande esforço de compreensão, debruço-me, mergulho os meus olhos nos olhos do meu cão:
- tu que queres?
E os olhos respondem-me e eu não entendo...

Ah, ter quatro patas e compreender a súplica humilde, a angustiosa ansiedade daquele olhar!

- Afinal...de que tendes vós orgulho, ó gentes?



Diário, Florbela Espanca

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A agenda política da PJ?




Por favor digam-me que não é verdade!


Digam-me que o processo instrutório do caso venda do edifício CTT em Coimbra só acabou agora porque … apareceram dados novos.


Digam-me que não é verdade que tenham esperado … esperado… e justamente nesta altura é que resolveram ouvir Carlos Encarnação, numa infeliz coincidência de agenda.


Digam-me que não se está a tentar equiparar o episódio do arrendamento da CMC para as instalações da AIRC, no dito edifício, com a situação dos políticos directamente envolvidos no caso da alegada venda prédio aos privados.


Digam-me que esses não voltaram a ser caçados pelos repórteres porque estavam a prestar serviço à comunidade em parte incerta.

Por favor digam-me isso!


E não me digam que a nossa Justiça afinal não é cega.

E não me digam que a PJ tem agendas políticas.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O olhar de um cão

Mikhail Baryshnikov, o irrepetível





Genial e completo



Este não saiu por falta
de liberdade de meios.



Foi por falta
de liberdade nos fins.











Teve sorte.


Escolheu o lado certo do capitalismo.

domingo, 5 de julho de 2009

No 4 de Julho português, II


Convento de S. Francisco, Coimbra


Soube-se agora.
Finalmente, a requalificação do Convento de S. Francisco foi aprovada em definitivo.
Terminou a longa agonia burocrática, acabaram as incertezas.

Com a concretização deste projecto, da autoria de Carrilho da Graça, teremos – at last! - um grande auditório com mais de 1100 lugares, que tanto era preciso.
Além da recuperação do Mosteiro, será construída uma praça, entre outras funcionalidades a associar a este espaço, numa área de cerca de 27 mil metros quadrados.

Fica à Guarda Inglesa, bem enquadrado entre o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha - que acaba de ser notavelmente reabilitado -, o Portugal dos Pequenitos e o Mosteiro de Santa-Clara- a-Nova.
E a um passo da Quinta das Lágrimas.

O investimento ronda os 30 milhões de euros.

Dois desejos:
- que as contas não derrapem
- que o arquitecto vigie a obra para além do papel ...

... não vá acontecer ao novo palácio dos congressos o mesmo que à sua obra da Pousada Flor da Rosa.
Materiais maus, degradação precoce, e a eterna dúvida – que me pus, no Crato - sobre onde foram então aplicados os dinheiros avultados ali investidos.
(?)

Julgamento sumário




O caso Maria João Pires tem muito que se lhe diga. Se quisermos.

De um lado, ouvem-se as vozes lamentosas do lobby da cultura (as do costume).
São sempre os mesmos, quem quiser que os compre.


Do outro lado, ouvem-se as vozes rabugentas e irritadas dos que têm mais que fazer.
São a maioria.

E são, realmente, o Portugal verdadeiro, onde tudo o que diz respeito à cultura é passado a pente grosso, e basta.

Aqui, a matéria merece, usualmente, dois níveis sucessivos de percepção.

Primeiro, vem 'o olho noveleiro': o da estória, dos acessos de mimo, das extravagâncias egoístas e dos bizarros ataques de 'prima-donnas' em geral, para quem não há pachorra.
Depois, vem o lado 'entendido', que vai curto e grosso ao fundo da questão, com alma empedernida de inspector de finanças. É a hora do veredicto frio e categórico, saído do súbito gestor iluminado que mora em cada português, quando a coisa não lhe toca por aí além.


É isso mesmo.
- O que tem o cidadão a ver com as queixinhas da pianista? Por acaso o assunto pertence-lhes?
- Temos pena, mas não! Peremptoriamente, não.

Se virmos bem, nem os opinadores de serviço parecem ver mais do que o nariz alcança.
E isso só significa que não conseguem encontrar no caso qualquer relevância estadística.


Exactamente.
Não há vozes políticas na cultura.


- Mas Portugal nunca mais tem remédio?!


No 4 de Julho português



As cidades são vulneráveis.
Perdem identidade.
A coisa começa-nos com os complexos. Cresce com os anticorpos de afirmação. Acentua-se num egoísmo feroz. Congela num sentimento snobe de não-pertença.

Queremos lá saber dela...

O mau governo do burgo trabalha as consequências.
É parcial e desune, não inspira ninguém.

O bom governo restaura a alma. Em gestos simples, como os dos afectos.
Não finge coesão. Mas contagia.

Ontem, na belíssima nova sala do Museu Nacional Machado de Castro, Maria Helena da Rocha Pereira recebeu a medalha de ouro da cidade de Coimbra, anos depois de ter sido já distinguida pelo Presidente da República com a Grã Cruz da Ordem Militar de San’Tiago da Espada e acumulado outros galardões de grande relevo nacional.
A primeira mulher doutorada numa faculdade portuguesa - que dá o nome, ela própria, a um prémio atribuído em sua homenagem -, grande figura das letras portuguesas e europeias, foi agora lembrada pela sua cidade.

Simples, elementar.
– Como é que ninguém acordara antes para isto?

O caloroso e interminável aplauso e a sua alegria genuína traduziram tudo quanto havia a dizer sobre o papel insubstituível da identidade local.
O cosmopolitismo, o verdadeiro, o mental, começa em casa de cada um, tratando bem - e tratando de ver bem - os nossos.
Mas julgamos que não.

Nos seus impecáveis 84 anos, bem ancorados no mundo real, a classicista dizia aqui há tempos:
“As raízes da cultura europeia estão na Grécia e em Roma, que depois as difundiu, e é nesse sentido que me agrada que se chame a atenção para estes assuntos. É uma falha grave que o Tratado de Lisboa omita qualquer referência a estas raízes”