pR6nitSNH08tQNpWPA5eZO9DQjdlskzknDPg03Ak5Q0=all-head-content'/> QUARTIER LATIN: abril 2009

sábado, 25 de abril de 2009

25 de Abril. A chama e o incêndio



Liceu Infanta Dona Maria

Nesse dia de Abril de 1974, ao 1º tempo, na aula de Latim, discutia-se se a revolta era de esquerda ou de direita.
Diante da Ema, a professora de olhos
com eyeliner sempre esborratado, sabedora, mas meio aparvalhada face às revelações ainda icompletas das notícias do dia.

À época, estudava-se muito, mas não se pense que éramos parvos.
Aprendemos imenso.

Tempos antes, numa viagem a Lisboa com a professora de História:
Íamos rumo à Gulbenkian, para a uma exposição de pintura sobre expressionismo alemão.
Lá para o meio, decidimos parar, ignorantes. Apenas um café, na base da Ota.
Já no bar, uns militares com bom ar aproximaram-se e, em vez de nos ralharem por estarmos a fumar - a consciência pesada devorava-nos por quase tudo, nesse tempo! - aconselharam-nos a voltar a casa, por obscuros motivos.
Era o 16 de Março. Mas fomos à exposição.
A professora era durona e nós adoravamo-la.
Aprendemos imenso.

Na viagem de finalistas, feita na Páscoa anterior:
Além da costumeira monumentália e do novíssimo Corte Inglés, ainda dera tempo para abdicar com proveito de uma ida ao flamenco, à noite. E conviver com uns guapissimos muchachos no foyer do hotel de Madrid. Com quem falámos de política, madrugada dentro e cinzanos a esmo.
Salazar, Franco, Marcelo e os americanos.
Aprendemos imenso.

No liceu, a professora de OPAN era um assombro.
Margarida RC dava-nos a matéria num único período (canja!). E, de Janeiro em diante, conversava-se sobre cultura, autores, liberdade de expressão, mundo.
Todos sabíamos que ela - aliás, très soignée -, fora interrogada pela PIDE variadíssimas vezes e era uma socialista.
E no dia 26, na aula dela, quem quis lançou os livros de OPAN ao cesto, passando o nosso manual a ser o Expresso. Semana a semana, aula após aula.
Aprendemos imenso.

Entretanto,
Ema hesitava entre as duas respostas possíveis à nossa inquietação.
- Esquerda? Direita? - Endurecimento? Libertação?
E mal o toque soou, corremos em polvorosa rumo ao gabinete da Reitora.
Tínhamos 16/17 anos, éramos séniores. Respeitáveis pré-universitárias. E boas alunas (muitas de nós inscritas no agora mal-amado quadro de honra).
Por isso davam-nos desconto na disciplina e algumas liberalidades.

Mulher inteligente, a Reitora.
Não mudou o seu estilo num centímetro, mas deu-nos as chaves para entrar no carro dela e, sob o olhar festivo-vigilante da contínua, sintonizar a BBC (era o que em casa víamos fazer).
A chama deflagrara.

À tarde não houve aulas.
O almoço foi de família italiana.
Depois saímos com os irmãos mais velhos, deambulando pela Praça em grupos cada vez maiores, para acabar em frente à PIDE, entre centenas e centenas de povo unido: uns a berrar, outros a rir, outros a chorar, outros a pensar.

Entretanto, o liceu feminino perdeu a virgindade. Entravam amigos a toda a hora.

O Sérgio, o célebre Sérgio S. - nosso colega de ano, mas no D. João III -, inflamava as hostes femininas, de giraço que era.
Culto, civilizado, brilhante, inspirador.

Falava magnificamente, como Che.
Em cima de um muro, no palco do ginásio, onde quer que fosse.
Bonito, inteligente, ardente, luminoso.
(Um cocktail fatal)

Eram as primícias do MRPP, sem que soubéssemos.
E eu sempre alinhei com eles, atrás da chama.

Não gostava nada dos malcheirosos e sebentos dos comunistas, pardos e feiosos, entre quem eu conhecia um ou outro trânsfuga.
Só sabiam pregar-nos lições de moral, ou sabotar as RGA, ou chamar-nos de filhos da burguesia e de traidores, com caras de velhos de 40 anos.

Estragaram-nos a vida para sempre (o incêndio):
-desmantelaram as faculdades.
-puseram-nos um ano à espera de nada, enquanto saneavam professores, ferozmente e à toa.
-e no fim do black-out, em Novembro de 75, ainda lá estavam pela faculdade à espera de nós, caloiros.
Continuaram por bons anos a dominar aquilo.
Greves manipuladas, desordem, boicote às aulas...
Só mesmo Sottomayor Cardia chegou para eles
e pôs termo ao baile.

O PC foi, francamente, um verdadeiro estorvo.


Ganhei em cidadania e humanidade, sim. Ganhei em tantas coisas!

Mas perdi uma escola superior como deve ser.
E esta coisa do ensino nunca mais se endireitou.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Excitações perigosas




Era uma jornalista quase desconhecida, sem grande lastro pessoal, e a coisa estava lenta, muito lenta mesmo. Sentia-se farta de ser nome de rodapé e de escrever apenas naquelas folhas do menu turístico.
Assim, lá ia cultivando o óbvio (o não-óbvio era de tal forma difícil!), num registo convenientemente alinhado para ser aceite no clube.
Clube? O enxame de velhos marxistas de pacotilha, com a mania de ler, mais do que escrever, que farejavam à légua as suas incapacidades estruturais e culturais.
Mentalmente, mandou-os às malvas. E adoptou à sua conta um estilo aggiornato de escrever o mesmo, fazendo vista grossa e orelhas moucas à abelha que tentasse ferrar-lhe, alvo nos defeitos.
A cada um as suas armas, afinal!
«-Hummm... deixa lá ver….avaliava ela... e o que temos nós como recursos… ?»
«- Ah! Já sei, sangue! Sangue na guelra!»
Não importa nada se aos 40 anos a coisa resultava mal e serôdia.
E em rigor, esteja mais ao nível hiper-excitado dos jovens borbulhentos e de olhar romântico, no Maio de 68.
Afinal, quem a lê não é literato. Tem cada vez menos sentido de exigência e menos espírito crítico. E o que lhe interessa é chocar.
Só que chocar com substância, e com maneiras, é realmente difícil («-outra vez o difícil!»).
Um estilo assim exige certos marcadores de ADN que a candidata a estrela não possui; exige maturação e ela é impaciente; exige consistência e ela não confia na sua…

Resta-lhe assim a arma da
fast culture, com muito tempero de Amélia Violeta da Figueira da Foz e sobretudo - para encouraçar -, paletes de asneiredo carrascão, de criar bicho (que põe tudo ao nível e espanta os sábios).

Entretanto, era livre e sem contas a dar a ninguém.
Tomava uns copos à sorte, ‘turma’ não lhe faltava.
Sonhava alto, castelos no ar.
Vingava a raiva do menu turístico.
Purgava a peçonha do ferrete da abelha.
Bradava a tudo, com voz empenada.

Até que um dia, certo boy apessoado da pandilha alargada, agora todo Bond Street - mas que em tempos idos também virava mesas em tudo o que era sítio -, subiu a Intendente de não-sei-quê, e andava – diz-se – muito empolgado.
Mais até do que empolgante, acrescento eu.

Reencontraram-se.
E ela viu nele aquela luz de néon que aureola o poder. Aquela mente inflamada, corajosa, moderna, de quem afronta quem lhe diz que não tem qualidades e arregaça as mangas para umas trochadas nos adversários.
Afinal, ele era como ela, também tinha as suas dificuldades. Mas a modernidade – e o avanço do (seu) mundo - exigiam-lhes que fossem práticos.

Desde o flechazo, volta e meia, saía com ele.
Não para o bistrot, claro, mas para grandes eventos.
Divertiam-se à grande.
Saiam muitas fotos, os mentideros não paravam, e ele, o Intendente, não se chateava nada com isso, curiosamente.
- Era o cosmopolitismo, era a modernidade?
Nada disso! Era mas era um trabalho de equipa. E o sinalagma não morava, talvez, no coração

Entrementes, cá fora:
-No jornal, tratam-na cada vez melhor (as velhas abelhas foram-se!)
-A televisão do burgo convida-a para um painel com gente de mão cheia (que depois correu mal, porque ela gostava francamente mais de monólogos).
-E como aquela coisa de promover o amigo público ainda atiçava mais os ânimos, jackpot garantido! Lá ia ela carregando na tecla, na tecla, na tecla…

Nas escadas rolantes do sussexo, entretanto, já havia a considerar outros enxames hostis.
Uns desqualificados!
Ou eram 'gente do passado' (como diz um tal professor de Coimbra, piloso e palavroso), ou eram colegas corroídos de inveja, ou então umas ti(p)as ciumentas com a cama desfeita.

Mas aí, verdade seja, ela vinha logo à luta, porque «uma gaja que se preze não se pode ficar!».

Extraordinariamente, havia até quem dissesse que devia calar-se. Mas nunca ninguém na vida lhe ensinara como é que isso se faz, nem porque é que isso poderia ser melhor do que ripostar, e muito menos, como é que isso poderia gerar ‘respeito’, algo que, bem no seu íntimo, gostaria de despertar nos outros.
«-Ora, ora! O respeitinho ganha-se a dizer-lhes umas bojardas na cara!»

Em estúdio, no tal painel de mão cheia, também a aconselharam a mudar o estilo. E a ficar menos Amélia Violeta e mais bonançosa.

Ainda tentou, mas qual quê!

E conseguir?




Há coisas que jamais estarão ao alcance de uma pessoa.


terça-feira, 21 de abril de 2009

ÉPOCA DE INCÊNDIOS - Do fogo posto





O fogo posto exige muita arte.

Para preparar o incêndio é necessário estudar a direcção do vento, o estado químico do terreno, a hora do dia, a geografia minuciosa dos dispositivos de autocombustão e o timing exacto do detonador.

É nos preparatórios que o criador do fogo se sente o seu Autor.

Quando se conhece o terreno, melhor se actua.
Só os canhestros não percebem que há vantagens em operar nos mesmos lugares.
E então tudo responde como a um maestro conhecido, quebram-se as barreiras e o fogo deflagra ali mesmo, como uma perfeição divina.

Na cozinha, na sala, na varanda, onde tiver de ser.

Outras vezes, dispensa-se o preâmbulo.
Raras vezes, muito raras, mas acontece.
Ir direito ao assunto é uma urgência absoluta, não há tempo a perder, faz-se tudo de uma só vez, numa espontaneidade explosiva.
No fim, apetece exultar, apetece cantar, apetece rezar.
Pode-se até morrer, depois daquilo, porque o mundo gira todo à volta desse instante.
(Mas finge-se que não).
Só que estes requintes, que dispensam fases, são os do bom incendiário (aquele que, se for apanhado, iremos todos os dias visitar na prisão).

Noutras alturas, porém, os preparatórios são fundamentais.
Tanto quanto a minúcia do joalheiro no seu ofício, ou a obsessão do legislador na sua caça às bruxas.
Os que são verdadeiros são feitos sem evidência, quase sem tocar o alvo.
Porque a lenha é outra:
- Aquele cheiro, muitas palavras, alguns silêncios.
- Olhares desencontrados, emoções comuns, perscrutação incrédula.
- Muita sensualidade inesperada; desejo do outro, insatisfeito.
- E tanta sintonia improvável, revelada.

Na altura do cigarro final, acrescentamos ainda, mentalmente, três
(é o momento da água na fervura):

- Algum azar do destino.
- Perda de paz.
- Reencontros e fugas.


São os melhores.

Incêndios, digo.

Jamais se esquecem (e o cheiro fica).

sábado, 18 de abril de 2009

Break down em cadeia. - Premonitório?




A J. está cá em casa há uns bons anos. É uma bem disposta corajosa, que luta para criar o filho pequeno e pagar a casa que comprou com empréstimo bancário na L. , uma cidade dos arrabaldes.
Quanto mais a conheço, maior é o respeito que tenho por ela.

A J. vive com cada vez mais problemas financeiros e não sabe para onde se virar.
Mas mesmo assim, continua a entregar-se a cada novo dia com teimosia e garra. E eu bem reparo que, mesmo quando me fala das dificuldades e das suas angústias, nem a tristeza que tem estampada na cara consegue apagar aquela centelha dos olhos, que observo sempre fascinada. Não, nem é bem a esperança que a faz correr, é um orgulho enorme pela própria fonte das suas servidões financeiras: - o filho e o seu lar, o primeiro decente que possui.
Dessa inspiração diária (percebe-se à légua) não faz parte o seu "homem", raramente citado. E quando ele me aparece, o contraste é vagamente incomodativo: sempre de gel no cabelo, 'after-cheiro' poderoso e a roupa ao último grito da griffe rock rural.
Mas no todo, não risca mais do que qualquer um outro dos bens de consumo que a J. comprou, só que desta vez enganada e com juros demasiado altos. A devolução à procedência é que parece ser difícil, porque ele não faz nenhum (se descontarmos o jus que competentemente - suspeito eu -, vai tributando na cama ao seu estatuto). Isso mesmo: saltita de caroca em caroca, espatifa carros em 2ª. mão e - pior -, é alimentado a pequenos luxos, jamais retribuídos.

Há uns tempos, bem antes do Natal, o magalhães começou a vir à baila. Diziam na escola primária da L. que o seu miúdo, o F., ia receber um desses computadores por 50 euros e já está. Pragmática, em lugar de exultar pelo preço da ferramenta, perguntou-me várias vezes se a aquisição não seria um "barrete", confessando que andava a empreender naquilo porque ninguém dava nada a ninguém quase de graça.
E lá me vi eu no papel que não pedira... fazendo a apologia do magalhães.
Expliquei-lhe que se tratava de uma medida subsidiada e que era uma excelente iniciação para um miúdo de 8 anos, etc, etc. Em suma, convencia-a a largar confiadamente os seus preciosos 50 euros na certeza de os trocar por um valor seguro.
Os meses passaram, o computador não vinha, até que pelo meio de Fevereiro, a J. apareceu uma manhã cá em casa a rir-se, meio trocista, dizendo que o F. estava exultante porque finalmente o dito m. chegara. E até era bem girinho.
Tempos depois e parece que o F. já não o largava aquilo. Estava mesmo 'barra' numa data de coisas difíceis!

O primeiro incidente aconteceu antes da Páscoa.
Num certo sábado, a J. foi como de costume à feira da L. (muito concorrida, por sinal, cheia de pseudo Vuittons, Dockers, T. Hillfiger e marados do género). - E não é que deu com uma tenda a vender magalhães a 40 euros?!
Para a animar, ainda lhe disse que certamente eram peças com defeito e que não desse importância ao assunto.

Mas o pior foi agora, no segundo incidente.
O magalhães do F. avariou sem explicação.
E ela foi ao fornecedor (a escola) para reclamar, claro, ou saber então como havia de o arranjar.
A provedora local do m. (a professora) chamou-lhe a atenção para um número de telefone que estava inscrito na base do portátil, que era o da assistência técnica. - Que telefonasse. Ela não podia fazer mais. - Mas que não mandasse mexer-lhe!
Desde então, a J. já telefonou vezes sem conta para o dito número. Surge uma gravação, dizem-lhe que aguarde, tempo previsível da demora, 10 mns. Ela desligava logo, assustada. Mas ultimamente, cansada de ouvir o filho, tem ficado em fila de espera. Por duas vezes, esgotou o saldo do telemóvel, numa delas carregado na véspera. E um destes dias, estava quase a chegar a sua vez quando a gravação reapareceu, para dizer que infelizmente não seria possível satisfazer o pedido naquele momento, e que por isso a chamada iria ser desligada.
A J. está furiosa. Sabe exactamente quanto gastou nos telefonemas e que a conta já vai quase nos 20 euros!
Voltou à escola para relatar o sucedido. E então professora contou-lhe que havia muitos outros portáteis avariados, e parecia, realmente, que o número da assistência não estava a funcionar. Já não sabia mesmo o que fazer para resolver o problema dos alunos.

Foi ontem mesmo que lhe ouvi as últimas desta história. E os desabafos que precisava de soltar, em monólogo quase obsessivo. Era o dinheiro, era o meu F. inconsolável, era o menino-magalhães nos braços e a impotência em dar um rumo à questão.
Quando saí de casa, cheia de pressa e sem ter conseguido sequer cortar-lhe o discurso, ainda parei à porta, arrepiada com o que acabara de lhe ouvir:
- Mas eu pensei muito e já tenho um maneira de acabar com o problema. Amanhã vou com ele à feira e vendo-o ao tal homem da tenda! É remédio santo!
Só tive tempo de a convencer a esperar por segunda feira, para podermos falar.
Não sei como é que vou sair desta...

Entretanto, este fim de semana, atirando com a história para o lado simbólico, achei que esta avaria em série bem podia, afinal, ser premonitória.
E imaginei um Portugal com milhares de magalhães a colapsar...

Dormi tão bem.


sexta-feira, 17 de abril de 2009

GENÉRICOS - Nada parece o que é?




Sem ter qualquer interesse directo ou indirecto na matéria, confesso que confio bastante mais nos médicos, em geral, do que em João Cordeiro, da ANF.

A desconfiança nacional costuma fixar-se nos primeiros, mas o facto é que as farmácias são dos negócios mais lucrativos que há no mercado, arrecadando lucros astronómicos.
João Cordeiro sabe bem disso, uma vez que não possui uma, mas várias (e mais do que possa pensar-se à primeira vista).

- Mas então, afinal, quem retirará realmente mais proveito dos negócios-satélite da saúde medicamentosa?
-A Apifarma? -A ANF? - Ou os sempiternos suspeitos?

Os médicos são claramente quem parece possuir o domínio da situação, na qualidade de prescritores. E, à vista desarmada, o processo de escolha terapêutica começa por aí.
Entretanto, que papel tem realmente a indústria farmacêutica, entidade relativamente obscura para a opinião pública? E as farmácias, que desvelada e prestativamente 'aviam' o receituário, sempre alerta para as necessidades do doente e aparentando ser um elo meramente passivo na cadeia da selecção dos medicamentos?

Num recente programa televisivo, João Cordeiro atravessou-se e, 'corajosamente', fez umas tantas propostas provocatórias ao bastonário Pedro Nunes, seguidas de certas revelações ao público, proferidas com ar de quem solta à luz do dia apenas algumas lascas de um iceberg comprometedor.
O certo é que no ar ficou aquela suspeita fundada de que estaria nas suas mãos denunciar presumíveis segredos submersos, capazes de condenar à desgraça o glamoroso Titanic da Ordem dos Médicos e dos seus associados, pelos piores motivos.

Pedro Nunes e a Ordem dos Médicos não perderam tempo e aceitaram a dita proposta, inteligentemente.
Agora, decorrerá um escrutínio de opinião junto dos médicos que, naturalmente, só não sufragarão completamente a ideia se motivos técnico-científicos, relacionados com as suas próprias guidelines de boa prática profissional, o desaconselharem em algumas circunstâncias.

Sei que estas situações existem e não poucas vezes.
Razão pela qual, conhecendo a total independência técnica que o estatuto médico confere aos seus agentes, me considero, juro, pela minha saúde, muito tranquila.
Afinal, na nossa ignorância, alguém tem de proteger-nos das cortinas de fumo: a selva empresarial com pele-de-Cordeiro e também o Estado, com as suas pressurosas mãos de Pilatos.


O saldo desta questão, para mim, já é claro como água:

- A Ordem dos Médicos foi desassombrada e apurou a ideia. Mas mal ponha em causa, aqui e acolá, a arquitectura do plano, a percepção que reinará entre nós será a da confiança técnica, ou serão as suspeitas do costume?

- A ANF de João Cordeiro e dos seus associados continuará sempre a arrecadar. Parece que não?
Pensemos então no que resultará da massificação dos genéricos, a médio prazo, segundo a fórmula proposta...

Ah! E já agora... à vossa saúde!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Da Companhia de Kazan a Fyodor Shaliapin



Djalil Teatro Académico de Ópera e Ballet

Em Qazan realizam-se dois festivais internacionais muito prestigiados, o Festival de Ballet Clássico Rudolf Nureyev e o Festival de Ópera Fyodor Shaliapin.
Não sei qual das duas tradições, ópera e ballet, ganha em antiguidade na Rússia.
Mas o certo é que a ópera corresponde a um culto arreigado com mais de 125 anos, em que a população se revê, aderindo com incondicional aplauso.

O festival de ópera realiza-se desde meados dos anos 80 e é um acontecimento único na Rússia, que faz de Qazan um local de passagem anual obrigatória para cantores e músicos consagrados.

Quanto ao nome do festival, Fyodor Shaliapin, gostei de saber que traduz uma homenagem significativa da nova Rússia ao lendário cantor baixo nascido em Qazan (1873-1938) , que a partir de 1921 emigrou para o ocidente e que, por isso, jamais fora reabilitado até à década de 80.

Muito tempo antes de ser banido, Shaliapin era já um prodígio reconhecido na sua época e cantava no 'Bolshoi' quando começou as suas tournées pelo ocidente, tornando-se a revelação durante épocas sucessivas no Scala (1901), na Metroplitan e por toda a Europa, variadíssimas vezes sob a direcção de Toscanini, que o considerava o cantor de ópera mais talentoso que conhecera.
Gorki, então a viver em Capri, era seu amigo próximo e escreveu as suas memórias, publicadas em vários artigos num jornal moscovita (1917).

O actor Fyodor Shaliapin Jr. era filho dele (- o monge cego no filme "O Nome da Rosa", remember?)


Para além de ficar ligado a peças famosas da ópera italiana, Shaliapin foi um dos grandes responsáveis pela divulgação da ópera russa fora da União Soviética, em interpretações recorrentes como Boris Gudonov ou A Noiva do Czar.
Mas também fascinou o mundo deste lado com os seus recitais a solo, em que dava a conhecer esse reportório assombroso que é o folclore russo tradicional.

(Obrigada, Fyodor, especialmente por este último, que ouço desde miúda sem nunca deixar de me emocionar !)

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Boa Páscoa




quarta-feira, 8 de abril de 2009

Uma 'pequena' Aïda


Aïda, sim.
Desta vez sem Domingo, sem Callas, nem herdeiros legitimados de Birgit Nilsson ou Franco Corelli. Mas com a Companhia de Kazan.
- Vai-se, não é?
Afinal não estamos em Viena, nem em Roma, nem sequer num teatrinho em Itália, daqueles que nos podem revelar as maiores surpresas.
É Portugal.
Logo, vai-se. Depois critica-se.

À entrada, faz-se vista grossa a umas tantas senhoras com vestidos de soirée, mordendo o riso.
Enfim...temos de olhar ao lado benigno da coisa: honram à sua maneira a categoria artística a que a exibição pertence e arejam as fatiotas, que de outra maneira mirrariam no roupeiro...
Imaginam-se talvez na Metropolitan...boa onda!
Sentamo-nos nos lugares da ponta da 1ª fila do camarote.
Não está mal. Sempre temos um poiso para nos debruçar e pousar os binóculos.
Como em situações anteriores, consciencializamos pela enésima vez as limitações do espaço, que condicionam logo o desempenho de cantores e músicos: um palco muito pequeno, uma má acústica e um coito mínimo para a orquestra, onde se devia literalmente sufocar. Nem sequer percebi como é que os metais não abalroavam os violinos da frente (esteve perto disso!)
E finalmente, então, durante os 4 actos, ouvimos.
Uma Aïda dotada, um Radamés enervante (tamanha a falta de expressão), e uma Amneris pouco egípcia, com traços chapados de mongol, a atestar a origem russa oriental. A mesma da própria Companhia sedeada em Qazan (ou Kazan) capital da Tartária.

Figurantes, apenas uns 50: simplesmente os que couberam! (que diferença...)

Razões suficientes, portanto.
Para nos impedir de exigir demais e, sobretudo, nos coibir de estabelecer comparações.

Por fim descobrimos que havia, afinal, uma afinidade remota entre o meu pequeno teatro anfitrião e a troupe que invadira o palco (sem esquecer a outra, que sobrevivera no understage...).
O TAGV recebera o Djalil Teatro Académico de Ópera e Ballet.
Conheciam-se, portanto, sem nunca se terem visto.
Só diferiam na geografia, na main art e ... nos subsídios.
Porque o Teatro Académico de Kazan nunca deixou de ser fortemente apoiado pelo governo da Tartária, sobrevivendo incólume a todas as convulsões políticas e económicas do passado recente da Rússia.

É obra!