pR6nitSNH08tQNpWPA5eZO9DQjdlskzknDPg03Ak5Q0=all-head-content'/> QUARTIER LATIN: Excitações perigosas

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Excitações perigosas




Era uma jornalista quase desconhecida, sem grande lastro pessoal, e a coisa estava lenta, muito lenta mesmo. Sentia-se farta de ser nome de rodapé e de escrever apenas naquelas folhas do menu turístico.
Assim, lá ia cultivando o óbvio (o não-óbvio era de tal forma difícil!), num registo convenientemente alinhado para ser aceite no clube.
Clube? O enxame de velhos marxistas de pacotilha, com a mania de ler, mais do que escrever, que farejavam à légua as suas incapacidades estruturais e culturais.
Mentalmente, mandou-os às malvas. E adoptou à sua conta um estilo aggiornato de escrever o mesmo, fazendo vista grossa e orelhas moucas à abelha que tentasse ferrar-lhe, alvo nos defeitos.
A cada um as suas armas, afinal!
«-Hummm... deixa lá ver….avaliava ela... e o que temos nós como recursos… ?»
«- Ah! Já sei, sangue! Sangue na guelra!»
Não importa nada se aos 40 anos a coisa resultava mal e serôdia.
E em rigor, esteja mais ao nível hiper-excitado dos jovens borbulhentos e de olhar romântico, no Maio de 68.
Afinal, quem a lê não é literato. Tem cada vez menos sentido de exigência e menos espírito crítico. E o que lhe interessa é chocar.
Só que chocar com substância, e com maneiras, é realmente difícil («-outra vez o difícil!»).
Um estilo assim exige certos marcadores de ADN que a candidata a estrela não possui; exige maturação e ela é impaciente; exige consistência e ela não confia na sua…

Resta-lhe assim a arma da
fast culture, com muito tempero de Amélia Violeta da Figueira da Foz e sobretudo - para encouraçar -, paletes de asneiredo carrascão, de criar bicho (que põe tudo ao nível e espanta os sábios).

Entretanto, era livre e sem contas a dar a ninguém.
Tomava uns copos à sorte, ‘turma’ não lhe faltava.
Sonhava alto, castelos no ar.
Vingava a raiva do menu turístico.
Purgava a peçonha do ferrete da abelha.
Bradava a tudo, com voz empenada.

Até que um dia, certo boy apessoado da pandilha alargada, agora todo Bond Street - mas que em tempos idos também virava mesas em tudo o que era sítio -, subiu a Intendente de não-sei-quê, e andava – diz-se – muito empolgado.
Mais até do que empolgante, acrescento eu.

Reencontraram-se.
E ela viu nele aquela luz de néon que aureola o poder. Aquela mente inflamada, corajosa, moderna, de quem afronta quem lhe diz que não tem qualidades e arregaça as mangas para umas trochadas nos adversários.
Afinal, ele era como ela, também tinha as suas dificuldades. Mas a modernidade – e o avanço do (seu) mundo - exigiam-lhes que fossem práticos.

Desde o flechazo, volta e meia, saía com ele.
Não para o bistrot, claro, mas para grandes eventos.
Divertiam-se à grande.
Saiam muitas fotos, os mentideros não paravam, e ele, o Intendente, não se chateava nada com isso, curiosamente.
- Era o cosmopolitismo, era a modernidade?
Nada disso! Era mas era um trabalho de equipa. E o sinalagma não morava, talvez, no coração

Entrementes, cá fora:
-No jornal, tratam-na cada vez melhor (as velhas abelhas foram-se!)
-A televisão do burgo convida-a para um painel com gente de mão cheia (que depois correu mal, porque ela gostava francamente mais de monólogos).
-E como aquela coisa de promover o amigo público ainda atiçava mais os ânimos, jackpot garantido! Lá ia ela carregando na tecla, na tecla, na tecla…

Nas escadas rolantes do sussexo, entretanto, já havia a considerar outros enxames hostis.
Uns desqualificados!
Ou eram 'gente do passado' (como diz um tal professor de Coimbra, piloso e palavroso), ou eram colegas corroídos de inveja, ou então umas ti(p)as ciumentas com a cama desfeita.

Mas aí, verdade seja, ela vinha logo à luta, porque «uma gaja que se preze não se pode ficar!».

Extraordinariamente, havia até quem dissesse que devia calar-se. Mas nunca ninguém na vida lhe ensinara como é que isso se faz, nem porque é que isso poderia ser melhor do que ripostar, e muito menos, como é que isso poderia gerar ‘respeito’, algo que, bem no seu íntimo, gostaria de despertar nos outros.
«-Ora, ora! O respeitinho ganha-se a dizer-lhes umas bojardas na cara!»

Em estúdio, no tal painel de mão cheia, também a aconselharam a mudar o estilo. E a ficar menos Amélia Violeta e mais bonançosa.

Ainda tentou, mas qual quê!

E conseguir?




Há coisas que jamais estarão ao alcance de uma pessoa.